O silêncio da noite com sua brisa serena cobre-me de alegria. A visão é de uma manta, que deixa tudo ainda mais escuro e obscuro, mais frio, gélido, e, no meu caso, intenso. Entretanto, creio que seja necessário explicar essa alegria... Não é a alegria dos muitos e dos vários, afinal pouco a sinto quando tenho meus momentos de real felicidade. Não é a alegria do riso, da explosão de risadas, sentimentos e movimentos. Não essa. Oh, não. Antes fosse, talvez seria mais visto e menos encarado. Não. É a alegria da ausência. É estranho, para se dizer o mínimo, tentar descrever tal sensação. A maioria das pessoas alegra-se na presença de algo ou alguém - talvez até um animal, de estimação possivelmente. O ser humano comum preenche-se com a alegria do que não é, ou seja, para alegrar-se precisa do movimento fluido daquilo que não é ele mesmo, sendo assim raramente capaz de encantar-se consigo mesmo. Talvez seja este o cerne da questão. O grande ego-ísta - aquele que faz com o ego o mesmo que o malabar-ista faz com seus malabares - que sou é quase que autossuficiente. Maldita nova ortografia, demorarão anos para que apreenda toda essa nova frescura linguística de tremas e hífens inexistentes. Ora, o que pretendo aqui dizer é que, ao contrário do quo-tidiano, alegro-me na ausência do dia. Na ausência das pessoas e na ausência dos barulhos. A presença da calma que nada mais é que a ausência de tudo. A ausência de gente, de fantasias externas, de propagandas, de sons, de aporrinhações, gritos e ligações de celular perdidas. Assim, seria errôneo dizer que aprecio a calma, pois esta não se constitui por si mesma. Ela só existe na ausência de tudo, e não na presença do nada. Sua existência é ilusória num mundo populado por gentes. Gentinhas... Gentálias... Credo. Infelizmente, o que é interno raramente consegue achar um paralelo na vida real, tal qual é a superfluidade desta última.
Não muito mais que um marasmo, que um vazio, permeia a minha razão de felicidade. A admiração por tudo o que já existe apesar do humano espanta-me visto que curso Psicologia. Entretanto, talvez este seja um espanto muito instantâneo, sem muita reflexão, como é de praxe neste mundo decadente. O que me fascina é o humano em si, o humano em sua raiz, em sua radicalidade inevitavelmente destruída por aquilo que gostam de apelidar de cultura. Uma cultura massificante. Massa... Porém, gosto muito de macarrão, lasanha e conchiglione (seja lá qual é a forma correta de escrever esta coisa), muito obrigado. O humano só existe na relação, claramente. Mas então o motivo de meu apreciamento pela ausência de relações só pode ser explicado ou por uma grandíssima quantidade de relações inúteis, chatas e aborrecentes - e aqui não há nenhuma referência anedótica à fase da vida ocidentalmente conhecida entre 13 e "seja lá qual for o fim" anos - (e) ou porque nas relações que achei interessantes ter, provavelmente achei também nelas indivíduos que partilham desta visão individualista e solitária e, portanto, preferem-se a si mesmos quando se deparam com a escolha de conversar comigo ou não.
Também na noite vêm as estrelas, o universo e tudo o que é grandioso. O céu, preto, com suas nuvens cinzentas e o barulho que só os poucos que já se aventuraram a ouvir a noite já ouviram, e que costumo apelidar de "o ruído da terra rodando em volta de si mesma", olha para mim e sou capaz de chorar só de admirá-lo em minha insignificância. É claro, ou melhor, é escuro que gera prazer e sensação de beatitude, apesar dos muitos discordarem. Devem ter mau gosto, só podem. Não choro de tristeza, mas de surpresa, admiração, respeito e reverência. Eu a acolho ajoelhado.
Sempre gostei da noite. No começo, a temia. Hoje, talvez ainda a temo, mas menos, uma vez que somos íntimos. A noite traz o próprio Medo. Ele também é chegado nela... Geralmente, aquilo que é ruim, acontece de noite. Mas é um ruim bom. Ou pelo menos costumava ser, até a chegada das malditas baladas com esse século. De qualquer forma, me referia aos assassinatos, aos estupros e aos saques. É claro que não compactuo com tais ações e repudio-as... De dia. Não as executo, mas sempre admirei-as, de certa forma, apesar do sofrimento envolvido. Pode ser chocante, mas tenho muita certeza que, se descritas da forma ideal, são até que bem comuns - pelo menos no pensamentos dos tantos neuróticos por aí afora. E não me refiro aos crimes passionais, oh, não, estes enojam qualquer apreciador de uma arte meticulosa. Ou também aos crimes de guerra, que sempre fazem uma sujeira muito maior do que a estritamente necessária. Não... Refiro-me aos sangues dóceis e doces que fluem e sorvem através da lâmina fria e dura dos seios femininos infelizes daquela noite... Aos sangues quentes e frágeis que já não mais proveem vida, mas, em vez disso, anunciam uma morte frígida. Ah... que belos tempos em que a morte era sinônimo da presença e não da ausência. Pensar nela hoje é falta do que fazer. É pensamento sombrio, ausência da vida, enfim, ausência... Não mais a morte é reverenciada como deveras outrora. Abomina-se os indivíduos que pensam nela e devotam-lhe minimamente. Não que a deseje para mim mesmo mas, se ainda não entendeu do que falo aqui, é porque provavelmente não compartilha de meus pensamentos e, muito menos, das sensações dilacerantes e deliciosas que a noite traz consigo. És um diurno. Bom pra ti, adaptação perfeita ao mundo atual.
Invariavelmente, perguntam-me se o riso é inexistente em mim. Ora, mas é claro que não! O riso é mais que proeminente, afinal, sem ele, ou já haveria sucumbido à minha parceira noturna, ou já teria esquecido qual é a sensação de sua ausência. É preciso ambos os lados de uma faca para que provemos de seu belo corte. Não pense que sou infeliz ou que rio pouco. Rio muito... De dia! Enquanto há sobre o que rir. Enquanto há presença, a risada manifesta-se perfeitamente adequada à situação em questão. Enquanto o sol esquenta e o sombrio esconde-se, a risada é um ótimo meio para contrastar aquilo que in-existe nas sombras. E, não, meu caro, aqui a sombra não fica debaixo da árvore... Aqui a sombra fica debaixo da terra ou, pior, da pele.
Há um certo consenso de que aquilo que é mau, ruim ou, de qualquer forma prejudicial ao viver e ao acontecer, de modo geral, é desprezível e deve ser abatido. O pequeno porém é que aquilo que deve ser abatido é o próprio ceifador. Não compreenderam, ainda, oh, seres diurnos?! A morte e a ausência é o outro lado da moeda que tanto gostam de trocar. Aquilo que não é, passa a ser, assim mesmo, tão importante quanto aquilo que é por si só. Aquilo que não vemos, nos mata. Raramente nos deixaríamos morrer por um raio de sol. Se víssemos a lança, desviaríamos. E é agora, durante o reinado do que não é, no reino do obscuro, que permito-me minhas maiores extravagâncias intelectuais. É só com o consentimento da brisa noturna que passo a escrever. Pois é só agora, e muito mais raramente do que desejaria, por conta desses dias da presença infernal de um sol escaldante, que posso dedicar-me inteira e apaixonantemente a cá e a isto. Vejam, oh amantes do Sundown e da praia litorânea com areia suja, fedida e quente: a ausência produzindo. Onde já se viu? A perda de tempo gerando letras, palavras, que se embrenham num beco onde só os bêbados, os pobres e as meretrizes do menor escalão podem se meter e, por enquanto, poucos leem. Como era de se esperar! Não podes pedir também que a ausência tenha famigerados fanboys e fangirls tanto quanto aqueles que só aparecem na noite clandestinamente, tentando ainda criar uma falsa ilusão com os flashes para que seus retratos não tenham a mesma realidade mórbida que deveriam. Oh dear, imagine what they would do without electricity. Se bem que, neste ponto, é o sujo falando do mal lavado. Onde está mesmo minha máquina de escrever?!