Quase cometo o erro sobre o qual já alertei anteriormente: tive uma vontade de entitular antes de escrever. Isso trás a tona um fato que chama pouca atenção de outros, mas muito da minha, em especial nos últimos curtos tempos. Especial? Será mesmo? Talvez só diferente, não usual, incomum. De qualquer forma, já passei por uma fase de necessitar a atenção incondicional dos outros. Aliás, todos já passamos, uma vez pelo menos, quando bebês em relação a nossas mães. O fato ao qual me refiro é o da grande percepção que os indivíduos tendem a ter em direção a seu exterior em paralelo ao pouco conhecimento e percepção que têm de si próprios.
Um julgamento instantâneo muito reforçado por uma sociedade competitiva e que dá incentivos a tais atitudes pelo mero modo como está organizada economicamente. Como ir contra? Como surge o pensamento de ir contra? Se ainda não os avisei, aqui vai: encontrarão mais questionamentos que respostas aqui. Não significa, necessariamente, que precisam ignorá-los ou que por isso são inválidos para alguém, ainda que eu mesmo, ou para levar a uma melhor reflexão. Por que existe essa necessidade quase que intrínseca do ser humano de se contrapor? Tentarei, desta vez, explicar-me melhor para que isto não se torne mera divagação de um neurótico egoísta.
Parece que existe uma orientação que é seguida pelo pensamento e julgamento humano: o do próprio julgamento. Mas, lembre-se, sempre do externo, do outro, do não-eu. Raros e afortunados são os que conseguem sublimar essa necessidade numa capacidade de autocrítica. O indivíduo facilmente olha para o exterior de si e percebe, inconscientemente, características do outro que são semelhantes às suas próprias, mas que gostaria que não possuísse. Assim, critica e ataca o outro não sabendo que, na verdade, está passando por um processo de identificação com esse mesmo indivíduo. Aqui deve-se lembrar que o estudante ignorante que aqui vos fala pouco sabe daquilo que fala, muito menos daquilo que faz, ou seja, numa posição ao mesmo tempo humilde e arrogante lembro-lhes que não estou eu mesmo salvo de tais atos. O que também não me impede de notá-los nos outros - e algumas vezes em mim mesmo - num ato, em si próprio, de identificação. A identificação em si não é problemática, creio eu. A grande problemática surge no fato que esta identificação não permanece no psiquismo do indivíduo inalterada e sem reação. Mas se liga a outras questões internas de cada um e estas saem dele no momento mais inoportuno, sem que ele perceba, porém, que há algo que o deixa para atingir seu outro naquele momento. As questões que se ligam provavelmente dependem do tempo, da subjetividade e são diferentes para cada um, visto que cada indivíduo significa situações e experiências de maneiras diferentes e o fazem singularmente.
Talvez não seja o humano. Talvez seja a existência. A perene, efêmera e terrânea existência daquele que a vive, mas não efetivamente o que vive. Seja lá qual for a causa ou o problema, não importa. Fato é que está presente e, por isso, é preciso considerá-la, afinal o próprio ser humano e sua existência não são passíveis de serem separados: um sem o outro não faz ou tem sentido sozinho. O que permeia todo esse espaço, esse conjunto de vivências é a contradição e a ambivalência... De sentimentos, de vontades, de ações, atitudes e pensamentos. Tudo isto gera uma crise interna que está intimamente ligada com o externo. Assim, uma cisão entre indivíduo e meio, em sua própria origem, não se sustenta. Sinto-me tão produto de mim mesmo quanto de onde, como e por que cresci. Apesar de tudo isso, e digo apesar de tudo com ênfase no "apesar", é lindo.
O lindo é algo há muito esquecido pelo representante mais velho de uma comunidade e algo natural para o mais novo. Infelizmente. O que pretendo dizer que é lindo é a vivência. A vida. O caos, a exatidão, a necessidade de explicar tudo do ser humano, as perguntas, os questionamentos, a conformidade, o sol, a lua, a dualidade que permeia todas essas coisas, a música, o vidro voando da batida de carro, a morte... É tudo lindo, porque tudo faz parte de uma existência finita. E, ainda assim, o homem almeja inexoravelmente a infinitude. Como seria? Viver pra sempre? Ainda imagino que, no âmago de tudo e de todos, o que realmente impulsiona o ser é sua morte. É o saber de sua temporalidade, uma relação dialógica magistral com o tempo, que o dirige a ser. Seja lá o que "ser" significa para cada um, é sua finitude que constrói esse "ser". Mas afirmar que só Tânatos rege o humano é de um pessimismo extremo. Um pessimismo característico daquele que já se relacionou com os parentes da morte de maneira muito próxima e íntima.
É por isso que também acredito que existe uma outra grande força responsável pela construção do "ser" (o uso repetitivo das aspas é para enfatizar que refiro-me ao verbo e não ao substantivo): Eros, o amor. Mas não aquele cuja concepção já está difundida. Penso num amor primevo, num amor-origem, responsável pela sensação de arrepio que já descrevi aqui, pelo sorriso lacrimal, pela admiração perante o awe da vida. A força que emerge menos frequentemente hoje. A que se esconde atrás dos incontáveis volantes massificantes de uma capital. Aquela que, atualmente, precisa ser extraída com força. Não porque é escassa, mas porque para sair, precisa passar por uma camada incrivelmente grossa de tronco-humano, cuja função é crescer para além do indivíduo criando uma barreira entre ele e seus possíveis competidores. Não com o intuito de cindir em duas a imensidão e a vastidão característica da experiência de estar vivo, em Eros e Tânatos, em vida e morte, digo isso. O faço, entretanto, com o propósito de ilustrar a dualidade que está onipresente no viver, no existir: a tentativa de compreender o todo, holisticamente, deve também levar em conta as reduções feitas neste, para, justamente, não ser reducionista ela mesma. Ainda que o faça de maneira satisfatória, dificilmente o compreenderá. O todo não existe. O todo é, somente. Não há como compreendê-lo, mas há como percebê-lo, vivenciá-lo, experimentá-lo.
Todas estas, racionalizações inúteis e dúbias, brotam em mim espontaneamente. Um indivíduo concreto, racionalista e burro como eu mesmo (não levo isso como um xingamento, mas como uma constatação de uma realidade que desesperadamente quer mudar) only has so much he can appeal to para compreender e interpretar seu mundo. O que é bom e ruim, ao mesmo tempo. Veja, não saímos das dualidades ainda! Percebo, só agora, antes tarde do que nunca, que o que sempre quis não era a inteligência, mas sim a sabedoria. Por isso tento, ativamente, me mostrar cada vez mais humilde e compreensivo em relação ao outro. Procuro exercitar essa capacidade diariamente para não cair no erro crasso do julgamento pré-concebido ou mesmo no pós-concebido. E, talvez, neste movimento já estou projetando e me identificando. Só espero que seja uma identificação mais saudável. Pensar que não somos determinados por nada só demonstra que a complexidade de nossas determinações está além de nosso entendimento.
Vou parar por aqui. Se tiro uma lição, e não - tiro várias, de minha vivência até agora neste grão de areia do Universo que é a Terra (um planeta constituído em sua maioria de água chama Terra, mas enfim...) - é que, em certas situações, muito frequentemente as mais importantes, às vezes, na vida, a melhor coisa do mundo é estar errado. Então, pare de tentar acertar! Antes, questione-se sobre tudo aquilo que acha que acertou e perceba seus erros.