A tela vazia e branca se preenche à medida que os símbolos digitais preenchem uma realidade virtual e ilusória cujo propósito é ainda pouco claro para mim. O cursor pisca violentamente quase que me obrigando a continuar escrevendo, apesar de o fazer por livre e espontânea vontade. Reescrevo cada sentença várias vezes, então o que lês aqui nada mais é do que aquilo que julguei o mais adequado para aqui estar.

E sim, julguei. Afinal, nada mais justo que, enquanto várias outras preocupações, angústias e ansiedades permeiam essa bola emaranhada de elásticos que é minha mente, seja eu o responsável, a pessoa a atribuir, a citar, o referente dessa coisa. Aqui, posso... Existo. Nada mais que projeções, meu caro. E, se aqui você se identifica, lembre-se de onde está, como está e por que o faz. Se pretendes aqui encontrar coerência e coesão, vá já embora! Mas que presunção! Oras, pensar que este texto é, de fato, um texto, no sentido literal da palavra, se caracteriza como uma heresia sem tamanho à religião mental inconsciente deste que vos fala... Ou melhor, que vos escreve.

Duvido que, em algum momento, isto terá algum sentido. Enquanto olho para a janela, vejo uma parte de uma árvore levemente florida e que se alimenta dessa luz cegante que vem do astro que queima nossa atmosfera e, por isso, nos permite viver. Ora, mas que prepotência! Não é o sol que nos permite viver, certo? Creio, humildemente, que nada e tudo nos permite viver, numa dança que só perde o compasso e cai ao chão no mesmo momento em que o breve corpo também se joga à terra úmida e fria na manhã de um sepulcro.

Nunca gostei da luz. Cada palavra aqui escrita é revista, apagada, reescrita. Essa necessidade constante de sempre fazer o melhor, reforçada por um sistema político e econômico no qual vivemos onde o outro é ao mesmo tempo amigo e ameaça, concorrência e colega. A luz cega. A luz perpassa tudo e todos e, com sua alvidez, direciona nossos olhares tristes para um fora que não é nada mais que... que... Não sei. Não sei o que é fora, muito menos o que é dentro. Mas vislumbro alguns contornos. Agora, daí afirmar onisciência sobre mim mesmo e sobre o resto... Faltam-me muitas qualidades que, com sorte, o tempo trará.

O entendimento sobre o que se quer dizer com a expressão (talvez inventada por mim, mas que não lhes soará muito estranha) "sangrar as veias do autor para que as palavras jorrem como um líquido rubro sobre esta tela" nunca tinha me atingido tanto quanto neste momento. E, por "momento", quero dizer, com efeito, este espaço de tempo curtíssimo de algumas semanas. Nunca antes havia sentido o ímpeto, a vontade avassaladora, a necessidade de dar vazão a conteúdos internos que, por orgulho, mantinha-os assim e, agora, por uma falta de noção da realidade, os exponho. Quem sou eu?! Para achar-me digno o suficiente de escrever? Projeto e penso num ato espontâneo: "bom seria um mundo em que todos pensassem desta forma". Estaríamos livres de tantas coisas... Mas provavelmente tão boas quanto ruins.

Apesar de tudo, penso ter um bom pé na realidade e ter a certeza, quase absoluta, de que o único leitor aqui será meu irmão siamês: meu ego. Ainda assim, acho que só esta relação dialógica entre mim e eu mesmo já justifica a utilização do tempo que, honestamente, não me é nada precioso atualmente. Será, talvez, uma boa forma de jogar às traças a mediocridade que assombra a vida de todo ser que já andou por esta terra. Já nascemos fadados a sermos medíocres e aqueles que são muito bem sucedidos nada mais são do que pessoas que perceberam este fato e, mais importante, exercitaram-se para ir contra. Será mesmo? Será que nascemos fadados a sermos medíocres? Creio que, no fundo, não. Aliás, o contrário. Nascemos cheios de potenciais, basta lembrar você de uma época em que brincava e sua criatividade não tinha limites. Talvez nos mediocrenizemos conforme vivemos.

De qualquer forma, não pretendo muito aqui. Ou, talvez, pretenda tanto que é melhor dizer o inverso, para me proteger das possíveis críticas certas que vêm junto ao reconhecimento desejado veladamente. O melhor a se fazer é sempre algo. Esse algo, agora, para mim, é isto. É de uma confusão esplêndida e, ainda assim, admiro-me com o tamanho que já tem o agrupamento destas linhas. Não uso "texto" pois isso remeteria o leitor à algum senso de começo-meio-fim ou de lógica interna. Não. Isso se trata de um oceano difuso e cheio de impurezas, líquido e cuja forma depende total e completamente de mim e de ti. O que lês aqui são gotas. Conforme as bebe, elas tomam a tua forma. Elas aderem ao teu corpo, num movimento espontâneo e bem explicado pela química básica. Uma química literária. Quem diria, uma síntese entre o exato e o abstrato, entre o concreto e a argamassa.

Vai embora agora. Eu tenho as minhas e tu tens as tuas. Obrigações, é claro.